Brasil debate o futuro da Inteligência Artificial em português em seminário

Jul, 25 2025

Brasil debate o futuro da Inteligência Artificial em português em seminário

Nos dias 23 e 24 de junho, Brasília sediou um evento que marca o desenvolvimento tecnológico nacional: o Seminário sobre Grandes Modelos de Linguagem para o Português Brasileiro. Este encontro reuniu os maiores especialistas do país - pesquisadores de universidades, representantes do governo e líderes da indústria - para traçar o caminho do Brasil na era da inteligência artificial. O consenso foi claro: precisamos urgentemente desenvolver sistemas de IA que realmente entendam nosso português, nossa cultura e nossas necessidades específicas.

Atualmente, as melhores ferramentas de IA - como chatbots e assistentes virtuais - funcionam muito melhor em inglês. Imagine um médico usando um sistema que não entende direito expressões como "dor de cabeça que não passa" ou "remédio para pressão". Ou um professor tentando usar ferramentas educacionais que não captam as nuances do nosso ensino. Essa foi a motivação central do debate: criar tecnologias que falem - e pensem - como brasileiros.

O evento mostrou que já temos bases promissoras. Projetos como o Sabiá, desenvolvido pela Maritaca, o Tucano e o Carcará, do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), são exemplos de modelos de linguagem em desenvolvimento. O supercomputador Santos Dumont, no Rio de Janeiro, já está sendo usado para esses fins. Além disso, bancos de dados abertos como o GigaVerbo estão ajudando a "alimentar" esses sistemas com português de qualidade.

Mas os desafios são grandes. Um dos principais problemas discutidos foi a falta de material em português adequado para treinar esses sistemas. Enquanto o inglês tem bilhões de textos disponíveis, nosso português carece de bases de dados robustas. Outro obstáculo é a infraestrutura: treinar esses modelos requer computadores extremamente potentes e consumo energético significativo.

As aplicações práticas, porém, justificam todo o esforço. Na saúde, imagine um sistema que ajuda médicos do SUS a interpretar exames ou sugerir diagnósticos. Na educação, ferramentas que auxiliam professores a criar aulas mais eficientes. No governo, serviços públicos mais ágeis e acessíveis. Essas foram algumas das possibilidades concretas apresentadas.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) destacou que o Plano Brasileiro de IA (PBIA) já está em ação, com recursos destinados a impulsionar esses desenvolvimentos. O caminho traçado pelos especialistas inclui três eixos principais: investimento contínuo em pesquisa nacional, parcerias estratégicas entre universidades e empresas, e um compromisso com o desenvolvimento ético e inclusivo da tecnologia.

Durante sua participação no Seminário, Prof. Laurent Dardenne, pesquisador do LNCC, compartilhou a visão da instituição sobre o papel da ciência nacional no desenvolvimento de tecnologias avançadas, em consonância com o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que envolvem em especial: Fabrica de IA; Construção do modelo em português-Brasil; Pilha de Software e IA para ciência.

As ações do LNCC e do Instituto de Inteligência Artificial(LNCC) observam as ações do PBIA com destaque para Desenvolvimento de LLM em português (Ação 7); Formação de recursos humanos qualificados (Ação 16); Criação da pilha de software nacional (Ação 12); Cooperação internacional e código aberto (Ação 18); Aplicações em genômica, medicina de precisão e planejamento de fármacos (Ações 4 e 5) e Soberania tecnológica e infraestrutura (Ação 11).

Como ponto de partida da sua apresentação, o pesquisador mencionou a infraestrutura de excelência do LNCC, que abriga o supercomputador Santos Dumont — o maior da América Latina dedicado à pesquisa científica. Com capacidade na ordem de 20 petaflops e em fase de expansão com novas GPUs voltadas à IA, o equipamento tem sido fundamental para atender às crescentes demandas computacionais de pesquisadores brasileiros em diversas áreas.

Mas, como destacou Dardenne, apenas possuir uma máquina poderosa não basta. Um dos focos do LNCC tem sido a construção de uma fábrica de IA — conceito que envolve muito mais do que infraestrutura: inclui também a criação de uma pilha nacional de software, serviços especializados, modelos fundacionais e um ambiente de colaboração entre instituições públicas e privadas.

Essa iniciativa busca garantir a soberania tecnológica do Brasil, permitindo que o país desenvolva soluções adaptadas às suas realidades sociais, linguísticas e culturais. Nesse contexto, o projeto Carcará se destaca como um modelo de linguagem em português brasileiro  com o objetivo de assegurar controle sobre dados sensíveis e promover a autonomia no uso de tecnologias estratégicas. “Vale destacar que, o Carcará implementa o Deepseek v3, pré-treinado pela empresa chinesa de mesmo nome. O modelo foi avaliado por benchmark em português e se colocou no topo da lista de desempenho na língua português-brasileiro, com um resultado de 81%”, comenta Prof. Fábio Porto. 

Outro pilar da fábrica de IA é o desenvolvimento de uma pilha de software própria, essencial para o uso eficiente do hardware disponível. O sistema Gypscie, criado pelo Grupo de Pesquisa DEXLAB-LNCC, permite gerenciar dados, treinar modelos, realizar inferência e validar resultados, tudo de forma integrada. A proposta é reduzir a dependência de softwares comerciais, muitas vezes caros e pouco compatíveis com as necessidades do setor público nacional.

A fala do professor também ressaltou que a Fábrica de IA brasileira se inspira em estratégias internacionais de desenvolvimento incremental, como as adotadas pelo Japão e pelos Emirados Árabes Unidos. O caminho sugerido é iniciar com modelos menores, como os de 7 bilhões de parâmetros, avançar para modelos intermediários e, progressivamente, alcançar modelos fundacionais robustos — aprendendo, adaptando e consolidando conhecimento a cada etapa. Nesse sentido, Dardenne destacou as tratativas em andamento com instituições japonesas, que já demonstraram interesse em cooperações científicas com o Brasil, sobretudo em IA voltada para aplicações matemáticas e científicas.

Além da infraestrutura e do desenvolvimento tecnológico, o LNCC também se destaca pela pesquisa aplicada em áreas estratégicas como predição de eventos climáticos extremos (projeto Rionowcast,RJ), saúde, dentre outros. O laboratório vem utilizando IA em projetos de saúde — como na análise de exames de imagem em parceria com hospitais — e também na genômica, para compreender doenças como o mal de Chagas, usando modelos de linguagem para identificar marcadores genéticos. Outro projeto em destaque é o desenvolvimento de moléculas para novos fármacos, combinando IA generativa e algoritmos evolutivos em uma abordagem inovadora de planejamento de medicamentos.

O professor ainda abordou um tema sensível: a dificuldade de acesso a dados nacionais, especialmente da área da saúde. Muitas vezes, instituições brasileiras não compartilham suas bases de dados para pesquisa, o que acaba forçando a realização de estudos com dados de hospitais estrangeiros. Esse cenário, segundo ele, precisa ser superado com mais diálogo e cooperação entre governo, universidades e setor produtivo, sob risco de o Brasil continuar importando soluções que poderia estar desenvolvendo internamente.

Por fim, Dardenne reforçou que o LNCC está alinhado com os princípios do PBIA e atua com base em três pilares: infraestrutura de ponta, formação de recursos humanos qualificados e governança estratégica e ética. A aposta da instituição é clara: usar a Inteligência Artificial como alavanca para enfrentar os grandes desafios nacionais e construir um futuro mais soberano, inclusivo e inovador.

O seminário deixou claro que o Brasil tem todas as condições de ser protagonista na IA em língua portuguesa. Com nossas universidades de excelência, nossa diversidade cultural e nossa capacidade tecnológica, podemos construir soluções que não apenas reproduzam o que já existe lá fora, mas criem ferramentas genuinamente adaptadas à realidade brasileira. O desafio é grande, mas o primeiro passo - o reconhecimento da importância estratégica desse tema - já foi dado. Agora, é colocar as ideias em prática e garantir que a revolução da IA beneficie todos os brasileiros.

Se você perdeu o Seminário, assista aqui: https://www.youtube.com/watch?v=UNJiExIspVM 

Núcleo de Divulgação

Instituto de Inteligência Artificial